O ser humano não está
preparado para enfrentar as dificuldades e isto porque todos nós esperamos que
nos aconteçam somente coisas boas. Quando alguma fatalidade ou adversidade se
apresenta, o desespero toma conta.
Algumas pessoas
acreditam que as coisas ruins possam acontecer somente com os outros, enquanto “Deus
é fiel” e nunca permitiria que um filho dele pudesse enfrentar um sofrimento. Posso
lembrar que Ele não poupou do sofrimento nem o Seu Filho unigênito, meus
bobinhos?
E Deus é fiel com quem?
E por quê? Que eu saiba, em primeiro lugar Deus é fiel a Si mesmo, a Sua
Palavra e aos Seus propósitos e designíos eternos.
Deus então, segundo o
pensamento comum, seria fiel comigo quando me presenteia com um carro
importado, mas seria também completamente infiel com aquela criança estuprada
pelo padrasto, com aquela moça que está com leucemia, com aquele garoto que não
tem o que comer. Um Deus esquisito.
Os relatos bíblicos do
Antigo Testamento descrevem, todavia um Deus muito menos esquisito, um Deus
fiel e, sobretudo, totalmente imprevisível na Sua fidelidade. Deus- Javé sempre
permaneceu fiel com seu povo mantendo na memoria seus compromissos forjados com
eles, apesar dos contínuos pecados deste povo de dura cerviz. Mas esta Sua
fidelidade sempre se manifestou de maneira totalmente imprevisível.
As coisas não mudaram
nos nossos dias. Em muitas ocasiões esperamos uma punição instantânea e severa
de Deus do estuprador da criança e ela não vem. E para piorar as coisas e
aniquilar o nosso raciocínio, a mãe da criança estuprada, além da dor, fica
logo depois doente e morre de câncer, deixando a criança totalmente desamparada.
Os ateus então, diante
destes acontecimentos, tem a confirmação que Deus não existe. Os religiosos, os
que mais me incentivam ao vomito, apresentam teorias idiotas sobre a justiça de
Deus e a “Sua mão pesada” deixando entender que é a retribuição de Deus pelo
pecado oculto da mãe da criança estuprada. E a doutrina da graça apresentada
pelo apostolo Paulo em numerosas Cartas? Vamos jogar no lixo? E a Sua
imprevisibilidade?
Eles inventaram a
doutrina da retribuição: eu sou bom e Deus me abençoa, o outro é um pilantra e
Deus o castiga. Nem sempre é assim, nem sempre acontece desta forma. A Bíblia também
descreve um Deus que não age sempre e necessariamente desta maneira: Ele é totalmente
imprevisível. A interpretação antropomórfica dos atributos e do caráter de Deus
leva o ser humano a não considerar com a devida atenção que estamos falando de
um Ser infinito com uma mente infinita, onisciente, onipresente e onipotente:
muito mais que um super-herói da Marvel. A nossa mente, ao contrario, sinto
muito lembra-los, é finita, e em alguns casos trata-se até de mentes
limitadíssimas.
A imprevisibilidade de
Deus é a salvaguarda da Sua liberdade, a Sua não redução a um gênio da lâmpada
ou a um mero guardião de interesses pessoais. Ele não é um servo idiota que
pode ser aprisionado dentro da nossa logica humana. Eu também não consigo entender
os Seus pensamentos e os Seus atos: isto é uma das minhas maiores frustrações
e, muitas vezes, até motivo de queixa com Ele.
O tema central do livro
de Jó é o problema do sofrimento do inocente, mas, sobretudo a natureza do
relacionamento entre o homem e Deus, em oposição à teologia da retribuição,
crença generalizada entre o povo antigo assim como em nossos dias: as boas ações
atraem a benção de Deus e as más ações atraem o castigo.
Para quem não teve a
possibilidade de ler este livro do Antigo Testamento, podemos resumir que Jó
era um “homem integro, reto, temente a Deus e desviava-se do mal”. Jó era
admirado pelos homens e por Deus, um dos homens mais bem sucedidos, financeira
e socialmente: porque Deus permitiu que muitas tragédias recaíssem sobre a sua
vida, levando-o a perder bens, filhos e saúde? Pecado não foi, sendo que Jó era
um homem integro e reto, temente a Deus e que se desviava do mal.
Satanás havia desafiado
Deus em relação à Jó, afirmando que:
1. Jó amava a Deus
somente porque Ele havia abençoado este homem
2. Deus, de alguma
forma, havia comprado o amor de Jó, abençoando-o mais que os outros.
Deus aceita o desafio,
declarando que o amor de Jó por Ele era sincero e singelo. Durante o sofrimento
Jó, apesar das circunstancias, se transforma por meio de um relacionamento mais
intimo com Deus. Jó em momento algum blasfemou contra Deus por Ele ter tirado
os seus bens, os seus filho e a sua saúde e no final, quando Jó entende que
Deus é Deus e que Ele está totalmente no controle, obtém a restituição dobrada
dos bens, da saúde e 10 filhos.
O livro de Jó quebra
completamente a teoria da retribuição colocando-a em xeque. Jó amava a Deus
enquanto Deus e não pelas benções recebidas.
Os vendilhões da fé, todavia acham muita vantagem aproveitando de frases bíblicas e pseudo-biblicas para nos ensinar a fazer permuta com Deus. Esta relação de troca e de barganha é infantil e demostra um total desconhecimento da natureza divina: Deus não é comerciante. A teologia da retribuição é utilizada pelos canais de fé, porém o livro de Jó apresenta que mesmo seguindo todos os preceitos religiosos, os melhores caminhos do bem, nunca estaremos livres de tempestades, nunca ficaremos isentos do sofrimento.
Deus é livre de fazer
milagres quando Ele quiser e do jeito que Ele quiser: em final de contas Ele é imprevisível.
Quero concluir com uma
frase do filosofo alemão Friedrich Nietzsche, um dos maiores críticos de Deus e
do cristianismo:
"O Homem, em seu
orgulho, criou a Deus a sua imagem e semelhança."
Ele havia razão.
Saudações.
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