sábado, 17 de novembro de 2012

A imprevisibilidade de Deus, a inconsistência da teologia da retribuição, o Livro de Jó e as razões de Nietzsche.


O ser humano não está preparado para enfrentar as dificuldades e isto porque todos nós esperamos que nos aconteçam somente coisas boas. Quando alguma fatalidade ou adversidade se apresenta, o desespero toma conta. 

Algumas pessoas acreditam que as coisas ruins possam acontecer somente com os outros, enquanto “Deus é fiel” e nunca permitiria que um filho dele pudesse enfrentar um sofrimento. Posso lembrar que Ele não poupou do sofrimento nem o Seu Filho unigênito, meus bobinhos? 

E Deus é fiel com quem? E por quê? Que eu saiba, em primeiro lugar Deus é fiel a Si mesmo, a Sua Palavra e aos Seus propósitos e designíos eternos.

Deus então, segundo o pensamento comum, seria fiel comigo quando me presenteia com um carro importado, mas seria também completamente infiel com aquela criança estuprada pelo padrasto, com aquela moça que está com leucemia, com aquele garoto que não tem o que comer.  Um Deus esquisito. 

Os relatos bíblicos do Antigo Testamento descrevem, todavia um Deus muito menos esquisito, um Deus fiel e, sobretudo, totalmente imprevisível na Sua fidelidade. Deus- Javé sempre permaneceu fiel com seu povo mantendo na memoria seus compromissos forjados com eles, apesar dos contínuos pecados deste povo de dura cerviz. Mas esta Sua fidelidade sempre se manifestou de maneira totalmente imprevisível.

As coisas não mudaram nos nossos dias. Em muitas ocasiões esperamos uma punição instantânea e severa de Deus do estuprador da criança e ela não vem. E para piorar as coisas e aniquilar o nosso raciocínio, a mãe da criança estuprada, além da dor, fica logo depois doente e morre de câncer, deixando a criança totalmente desamparada. 

Os ateus então, diante destes acontecimentos, tem a confirmação que Deus não existe. Os religiosos, os que mais me incentivam ao vomito, apresentam teorias idiotas sobre a justiça de Deus e a “Sua mão pesada” deixando entender que é a retribuição de Deus pelo pecado oculto da mãe da criança estuprada. E a doutrina da graça apresentada pelo apostolo Paulo em numerosas Cartas? Vamos jogar no lixo? E a Sua imprevisibilidade? 

Eles inventaram a doutrina da retribuição: eu sou bom e Deus me abençoa, o outro é um pilantra e Deus o castiga. Nem sempre é assim, nem sempre acontece desta forma. A Bíblia também descreve um Deus que não age sempre e necessariamente desta maneira: Ele é totalmente imprevisível. A interpretação antropomórfica dos atributos e do caráter de Deus leva o ser humano a não considerar com a devida atenção que estamos falando de um Ser infinito com uma mente infinita, onisciente, onipresente e onipotente: muito mais que um super-herói da Marvel. A nossa mente, ao contrario, sinto muito lembra-los, é finita, e em alguns casos trata-se até de mentes limitadíssimas. 

A imprevisibilidade de Deus é a salvaguarda da Sua liberdade, a Sua não redução a um gênio da lâmpada ou a um mero guardião de interesses pessoais. Ele não é um servo idiota que pode ser aprisionado dentro da nossa logica humana. Eu também não consigo entender os Seus pensamentos e os Seus atos: isto é uma das minhas maiores frustrações e, muitas vezes, até motivo de queixa com Ele. 

O tema central do livro de Jó é o problema do sofrimento do inocente, mas, sobretudo a natureza do relacionamento entre o homem e Deus, em oposição à teologia da retribuição, crença generalizada entre o povo antigo assim como em nossos dias: as boas ações atraem a benção de Deus e as más ações atraem o castigo. 

Para quem não teve a possibilidade de ler este livro do Antigo Testamento, podemos resumir que Jó era um “homem integro, reto, temente a Deus e desviava-se do mal”. Jó era admirado pelos homens e por Deus, um dos homens mais bem sucedidos, financeira e socialmente: porque Deus permitiu que muitas tragédias recaíssem sobre a sua vida, levando-o a perder bens, filhos e saúde? Pecado não foi, sendo que Jó era um homem integro e reto, temente a Deus e que se desviava do mal. 

Satanás havia desafiado Deus em relação à Jó, afirmando que:

1. Jó amava a Deus somente porque Ele havia abençoado este homem
2. Deus, de alguma forma, havia comprado o amor de Jó, abençoando-o mais que os  outros. 

Deus aceita o desafio, declarando que o amor de Jó por Ele era sincero e singelo. Durante o sofrimento Jó, apesar das circunstancias, se transforma por meio de um relacionamento mais intimo com Deus. Jó em momento algum blasfemou contra Deus por Ele ter tirado os seus bens, os seus filho e a sua saúde e no final, quando Jó entende que Deus é Deus e que Ele está totalmente no controle, obtém a restituição dobrada dos bens, da saúde e 10 filhos. 

O livro de Jó quebra completamente a teoria da retribuição colocando-a em xeque. Jó amava a Deus enquanto Deus e não pelas benções recebidas.

Os vendilhões da fé, todavia acham muita vantagem aproveitando de frases bíblicas e pseudo-biblicas para nos ensinar a fazer permuta com Deus. Esta relação de troca e de barganha é infantil e demostra um total desconhecimento da natureza divina: Deus não é comerciante. A teologia da retribuição é utilizada pelos canais de fé, porém o livro de Jó apresenta que mesmo seguindo todos os preceitos religiosos, os melhores caminhos do bem, nunca estaremos livres de tempestades, nunca ficaremos isentos do sofrimento. 

Deus é livre de fazer milagres quando Ele quiser e do jeito que Ele quiser: em final de contas Ele é imprevisível.

Quero concluir com uma frase do filosofo alemão Friedrich Nietzsche, um dos maiores críticos de Deus e do cristianismo:

"O Homem, em seu orgulho, criou a Deus a sua imagem e semelhança."

Ele havia razão.

Saudações.

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